MOVIMENTO ZEF E O ORGULHO DE SER “GAMBIARRA”
UMA ANÁLISE ESTÉTICA E SOCIOCULTURAL DA AUDIOVISUALIDADE PROPOSTA PELA DUPLA SUL-AFRICANA DIE ANTWOORD
Por: Juan Barreto
Publicado em: 5ª edição da Corte Seco — Revista de audiovisual
Etimologicamente, zef é a abreviação coloquial de Ford Zephyr; um modelo de automóvel barato, popular na África do Sul entre as décadas de 1950 e 1970 e que era customizado de um jeito extravagante pela camada pobre da população (classe operária) na tentativa de agregar mais valor ao veículo. O termo “Zef” passou a ser utilizado pela elite, de forma pejorativa, para designar tudo aquilo que fosse de origem ordinária tentando emular algo de qualidade superior.
Um século atrás, o escritor brasileiro Oswald de Andrade sugeriu que deveríamos metaforicamente devorar a cultura do outro (adquirindo assim, sua força) e digeri-la junto com a nossa (já internalizada), para a partir da mistura tentarmos extrair um elemento novo. Influenciada por essa corrente de pensamento antropofágico a geração pós-apartheid de artistas sul-africanos (inserida em um panorama globalizado) elevou “Zef” a categoria de Movimento Cultural, tendo como princípio básico o uso do que chamaremos aqui de “criatividade gambiarra”.
Estabeleceu-se então o conceito artístico de “original — lado B”, que consiste em acrescentar um tempero nativo aos “enlatados” estrangeiros (sobretudo norte-americanos) que lhes são empurrados goela à baixo ano após ano. Na música, o Movimento Zef conseguiu reverberar com maior amplitude por ser o ambiente ideal para se realizar experimentos. Mixar arranjos distintos, fundir um som no outro, costurar retalhos culturais, colar recortes entre si, juntar uma pecinha na outra até formar um grande mosaico identitário, a música nessa perspectiva abre comunicação com um tipo de público alternativo carente de representatividade.
Em 2010, diretamente dos subúrbios da Cidade do Cabo, uma performance da banda Die Antwoord, composta pelos rappers ‘Ninja’ e ‘Yo-Landi’ (alter egos de Watkins Jones e Anri du Toit), figurava na lista dos vídeos mais visualizados da internet. A dupla ganhou projeção internacional catalisando em seus projetos audiovisuais uma miscelânea de referências ocidentais e orientais, no começo chamaram a atenção por parecerem a caricatura hiper-realista de algum subproduto estadunidense, depois causaram alvoroço ainda maior ao se constatar que aquele deboche não era inofensivo.
É importante destacar que o Movimento Zef não se trata de maquiar o velho para que ele tenha aspecto de novo, camuflando os defeitos existentes na tentativa de ludibriar o comprador. É sobre reciclagem, no mais amplo sentido da palavra. Se a tendência do momento é a cor verde, para o Zef o que importa é a sagacidade de misturar amarelo com azul e batizar o resultado de “amarezul” ou “azurelo”. É sobre inventar novos sinônimos para aquilo que já existe e oferecer novas opções de entendimento. Mais importante do que as coisas em si, são as conexões que essas coisas fazem com outras coisas.
A globalização transformou o planeta inteiro em uma aldeia e de acordo com a teoria da “Diglossia Cultural”, do historiador Peter Burke, em um futuro próximo transitaremos por completo entre diversas culturas com a mesma fluência com que algumas pessoas dominam vários idiomas. É por isso que hoje o Movimento Zef estende seus galhos e seus frutos por toda parte do planeta, porém sem jamais desprender as raízes do solo periférico em que brotou.
O nome Die Antwoord na verdade se pronuncia “Dí Antvórd”, pois pertence ao vocabulário africâner; língua nascida da interação entre colonizadores holandeses, alemães e franceses em território sul-africano. Significa algo como “a resposta”, “a solução”, “a saída”. A pluralidade nos salvará.